G.R.E.S. Em Cima da Hora
Apresenta
Carnaval 1998
Autores: Ernesto Nascimento e
Actir Gonçalves
- Uma visão distorcida
dos fenômenos culturais do nosso povo pode induzir-nos
a pensar que boa escola de samba seja aquela que ganhe maior número
de vezes. Nada mais errado. Somos até tentados a afirmar
o contrário.
- Conservar-se fiel a si
mesma, nos seus padrões de conduta, às próprias
raízes, talvez tenha sido a maneira mais fácil de
perder desfiles. Mas também de continuar sendo uma verdadeira
escola de samba.
Corajosamente, e com sabedoria,
o G.R.E.S. Em Cima da Hora apresenta o seu enredo para o Carnaval
de 1998.
G.R.E.S. Em Cima da Hora
Enredo:
Quem é você,
Zuzu Angel ?
Um anjo feito mulher?
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Prefácio |
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Zuleika de Souza Netto, Angel
Jones, pelo casamento com o americano Norman, em 1943, nasceu
em Curvelo (MG) em 1921.
Tinha o seu ateliê
de criação em Ipanema em 1960. Além de clientes
famosos no Brasil, como a primeira-dama Yolanda Costa e Silva,
vestia personalidades internacionais.
Essa moderna heroína
do nosso século costumava dizer:
"Como não viver
o drama de outras mães que não têm coragem
ou às vezes não têm dinheiro para correr o
mundo gritando como eu fazia para procurar o filho desaparecido."
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Dedicatória |
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À Glória Peres, pela Dani
Às mães de Acari
Às mães da Cinelândia
Às mães da Candelária
Às mães da Praça de Maio
Às mães cubanas, que perderam seus
filhos na ditadura de Fulgêncio Baptista
À todas aquelas que perderam seus filhos,
de algum modo, abruptamente
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Ao dedicar o seu enredo do carnaval de 1998, à
Glória Peres - por Dani - às mães de Acari,
às mães da Cinelândia, às mães
da Candelária, às mães da Praça de
Maio, às mães cubanas que perderam seus filhos decapitados
na ditadura de Fulgêncio Baptista e a todas que perderam seus filhos |
abruptamente, o G.R.E.S. Em Cima da Hora o faz consciente
de sua finalidade social e desejando poder contribuir para a diminuição de
tanta violência, de ontem e de hoje, buscando amenizar a dor daquelas mulheres
abnegadas que perderam seus entes mais queridos. |
Introdução
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A originalidade das roupas elaboradas por Zuzu Angel
nos leva ao Rio do tempo das costureiras, pouco antes da explosão
do prêt-à-porter carioca, na década de 70.
Mulheres sofisticadas e especialistas em criar o estilo sob medida
em ateliês personalizados quase familiares. Zuzu definia-se
como costureira e de todas foi a que melhor teceu com renda e
temas nordestinos, estampas de anjos coloridos ou de tanques de
guerra, um dos capítulos mais internacionais da moda brasileira.
Mineira de Curvelo, Zuzu foi uma das primeiras a
apostar em roupas em série e a exportar o estilo nacional.
Para isso, usou em seus 75 modelos expostos em 1970
na Bergdorf Goodman em Nova York, as imagens de Lampião
e Maria Bonita, comparadas pela jornalista Bernardine Morris,
em reportagem do "New York Times" a Bonnie e Clyde.
Antes disso, entretanto, o look Zuzu já tinha conquistado
Joan Crawford, quando esta visitou o Rio em 1969, Kim Novak e
Jean Schrimpton. |
A alegria das estampas de Zuzu se transformou em
1971. Os anjos viraram soldados que, acompanhados por tanques,
desfilaram no que a estilista chamou de "a primeira coleção
de moda política da história".
A apresentação realizada em setembro
de 1971, na residência do Cônsul do Brasil em Nova
York, tornou público o assassinato do seu filho durante
o regime militar. Passou a definir-se como "costureira intelectual"
especialista em contar em tecidos e cores, um triste período
de nossa história.
O Enredo
Quem é você, Zuzu Angel?
Um anjo feito mulher ?
Carnaval 1998
Cada sociedade deve ser livre para resolver seus
problemas, mas nenhuma delas tem o direito de matar parte de seu
próprio povo. O genocídio não pode ser tolerado.
A humanidade deve intervir para salvar o humano que exista em
qualquer parte. O humano é soberano sobre o Estado. É
imperativo que a ética predomine sobre a política
e a política predomine sobre a economia. |
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O Brasil apesar de suas dimensões e muitas
riquezas possui 32 milhões de miseráveis, esta sem
dúvida é a ponta do iceberg que gera a miséria
e consequentemente a violência que tanto nos assusta.
A maior violência é a fome. A fome é
uma exclusão. Da terra, da renda, do emprego, do salário,
da educação, da economia, da vida e da cidadania.
Quando uma pessoa chega a não ter o que comer, é
porque tudo o mais já lhe foi negado. É uma espécie
de cerceamento moderno ou de exílio. A morte em vida. É
exílio da terra. A alma da fome é política.
A história do Brasil pode ser contada de vários
modos e sob vários ângulos, mas para a maioria ela
é a história da indústria da fome e da miséria.
Um modo perverso de dividir o mundo em dois produzindo um gigantesco
apartheid. Nesse campo, fizemos verdadeiros milagres de desenvolvimento.
Um dos maiores PIB's do mundo abraçado com a pobreza e
a miséria mais espantosa. Aqui não houve lugar para
o acaso. Tudo foi produzido como obra acabada. Fria.
O resultado está aí diante dos olhos
de todos. Uma parte ostensiva, rica, branca, motorizada, dolarizada.
Outra parte imersa na sombra negra, analfabeta, dando duro todos
os dias, comendo o pão que o diabo amassou em cruzeiros
/ reais. Dois mundos no mesmo país, na mesma cidade, muito
próximos pela geografia e infinitamente distantes como
experiência de humanidade.
A fome é a realidade, o efeito e o sintoma.
O ponto de partida e de chegada. A síntese, a ponta do
novelo a partir da qual tudo se explica e se resolve. Porque a
fome não é episódica nem superficial. Revela
fundo o quanto uma pessoa está sendo excluída de
tudo e com que frieza é ignorado pelos outros.
A realidade cotidiana de 32 milhões de pessoas
vivendo na indigência, a população de uma
Argentina. Os sem-nada, os sem-comida, habitantes do mundo da
fartura, do terceiro exportador mundial de alimentos.
É gente que começa o dia buscando o
que comer e que chega à noite sem nada. Pode-se imaginar
o quadro porque é o de todo dia para milhões de
seres humanos: a fome de comida e de tudo. A essa altura da vida
da humanidade é incrível que isso aconteça.
Como morrer de fome ao lado de 70 milhões de toneladas
de grãos, de 8,5 milhões de hectares de terra, se
todos esses brasileiros miseráveis ficariam saciados só
com os 20% do desperdício?
Pela fome de 32 milhões se revela a essência
humana do próprio país, aquele que é capaz
de negar a condição humana para 20% de sua população.
A fome é o atestado de miséria absoluta e o grito
de alarme que sinaliza o desastre social de um país, que
mostra a cara do Brasil.
Como a miséria é a síntese e
o nó de um processo, desvendar e atacar a miséria
é também um modo de refazer radicalmente o Brasil.
É pegar o Brasil pelo umbigo. A negação radical
da miséria é um postulado de mudança radical
de todas as relações e processos que geram a miséria.
É uma interpretação a tudo e a todos, é
um passar a limpo da história, a sociedade, o Estado e
a economia. É virar o Brasil pelo avesso. No concreto.
É assustador perceber com que naturalidade fomos virando
um país de miseráveis, com que tranquilidade fomos
produzindo milhões de indigentes. Acabar com essa naturalidade,
recuperar o sentido da dignidade humana, reabsolutizar a pessoa
como centro e eixo da vida e da ação política
é essencial para transformar a luta contra a fome e a miséria
num imenso processo de reconstrução do Brasil e
de nossa própria dignidade. Por isso acabar com a fome
não é só gerar emprego; é reconstruir
radicalmente toda a sociedade, começando por incorporar
agora 32 milhões de seres humanos ao mapa da cidadania.
Assim como a miséria foi sendo construída
com a indiferença frente à exclusão e à
destruição das pessoas, a negação
da miséria começa a se realizar com a prática
cotidiana, ampla e generosa da solidariedade.
A frieza construiu a miséria. Construiu as
cidades cheias de gente e de muros que as separam como estranhos
que se ignoram e se temem. A solidariedade vai destruir as bases
de existência da miséria. É uma ponte entre
pessoas.
Por isso o gesto de solidariedade, por menor que
seja, é tão importante. É um primeiro movimento
no sentido oposto a tudo que se produziu até agora. Uma
mudança de paradigma, de norte, de eixo, o começo
de algo totalmente diferente. Como um olhar novo que questiona
todas as relações, teorias, propostas, valores e
práticas, restabelecendo as bases de uma reconstrução
radical de toda a sociedade. Se a exclusão produziu a miséria,
produzirá a cidadnia plena, geral e irrestrita. Democrática.
A luta contra a miséria nos obriga a um confronto
com a realidade naquilo que nos parece mais brutal: a pessoa desfigurada
pela fome, desesperada pela comida ou por qualquer gesto de reconhecimento
da existência humana. Se a distância perpetua a miséria,
a solidariedade interrompe o ciclo que a produz e abre possibilidades
imensas para se reconstruir a humanidade destruída em 32
milhões de pessoas e negada a outros milhões de
pessoas que vivem na pobreza.
Se a indiferença construiu esse apartheid
monstruoso, a solidariedade vai destruir suas bases. E essa energia
existe com uma força surpreendente entre nós, uma
força capaz de contagiar quem menos espera e de produzir
uma nova cultura, a do reencontro.
Há uma tremenda força de mudança
no ar, na terra. Há um movimento poderoso, tecendo a novidade
através de milhares de gestos de encontro. Há fome
de humanidade entre nós, por sorte ou por virtude de um
povo que ainda é capaz de sentir, de mudar e de impedir
que se consume o desastre, o suicídio social de um país
chamado Brasil.
Ao longo dos anos, as razões para lutar contra
o capitalismo foram aumentando, a ética foi cedendo espaço
para a ideologia. Lutar contra a miséria passou a ser um
subproduto da luta pelo socialismo. No futuro o socialismo acabaria
com a miséria, ao fim de um período de convivência
inevitável. Restava, como forma de ação,
denunciar a responsabilidade do capitalismo na produção
da miséria. Mas a convivência acabou por gerar um
inconformismo verbal e um conformismo prático.
O mundo deu muitas voltas. Caíram barreiras,
referências, mitos e muros. A história não
coube em teorias. As teorias negaram suas promessas. O capitalismo
continuou produzindo miséria, mas o socialismo avançou
sem conseguir eliminá-la. Os sistemas protegiam os seus
sócios e eliminavam os demais. Depois de cem anos de socialismo
e capitalismo, a miséria no mundo aumentou, a economia
transformou-se num código de brancos e numa fábrica
de exclusão racionalizada. A modernidade produziu um mundo
menor do que a humanidade. Sobram bilhões de pessoas. Não
se previu espaço para elas nos vários projetos internacionais
e nacionais. No Brasil essa exclusão tem raízes
seculares. De um lado, senhores, proprietários e doutores.
Do outro índios, escravos, trabalhadores, pobres.
Isso significa produzir riqueza pela produção
da pobreza. Sendo um modelo econômico sustentado em vícios
sociais, o padrão rural da colônia transferiu-se
praticamente intacto ao país urbano, com pretensões
a ser moderno. O Brasil tem uma indústria com duas caras
- e a mesma moeda. Moderna na tecnologia, atrasada nas relações
de trabalho. Sua classe média espreme-se entre a ideologia
do senhor e as agruras dos pobres. Teme o destino de um e os poderes
do outro.
A industrialização brasileira não
encurtou o abismo entre pobres e ricos. Os senhores viraram empresários,
mas continuaram a viver em novas versões da casa-grande.
Os escravos viraram trabalhadores, mas continuaram morando na
senzala, em dormitórios feitos para isolar o pobre depois
do serviço.
Nos anos 90, aprendemos que em sessenta anos de industrialização,
o Brasil havia gerado três categorias sociais - ricos, pobres
e indigentes. É como se elas habitassem países diferentes.
Existe a minoria rica, branca sofisticada, formando uma sociedade
mais ou menos comparável à do Canadá. Tem
a maioria pobre, negra, silenciosa e resignada, do tamanho do
México. E há 32 milhões de indigentes, uma
Argentina dentro do Brasil. Esses 32 milhões são
brasileiros que o Brasil trata como estrangeiros, uma população
indesejada, descurada, quase inimiga.
O processo era liberal, democrático. Chegava-se
ao poder pelo voto, ou pelo menos passava-se por ele. O Congresso
tinha seu poder. E a Justiça, mais ou menos, sua vez. A
imprensa, com todos os seus problemas, tinha sua liberdade. E
as entidades da sociedade civil, seu espaço para lutar
com todos os limites e possibilidades. Nada era perfeito, havia
muito a ser feito, muitas reformas de base que clamavam por existir.
Através da liberdade existente, as mudanças buscavam
seu horizonte em meio a tantos limites. Antes do golpe, as reformas
estavam na ordem do dia: agrária, bancária, urbana,
da saúde, educacional. E várias outras necessárias
para que o Brasil fosse efetivamente democrático, autônomo
e independente.
Mas os setores dominantes da elite brasileira não
estavam dispostos a abrir mão de seus fantásticos
privilégios. Levantaram suas bandeiras: contra o comunismo,
a inflação e a corrupção! Ganharam
a classe média, sempre assustada com o povo, e deram o
golpe militar. O resultado foi um desastre para a democracia,
um sucesso para setores importantes dessa elite, daqui e de fora.
O governo João Goulart, que representava a
reforma, deveria ser deposto por um ato de força, já
que da democracia era filho. Nascera do voto, vice de Jânio.
Jânio filho do voto e, depois, pai do golpe. O ato veio
de Minas, na madrugada do dia 31 de março, pelas mãos
de um militar que deu o golpe e passou o resto da vida disputando
com outros a paternidade desse desatino autoritário. Um
grupo de militares se pôs a caminho, em direção
ao Rio. A cumplicidade de outras lideranças militares e
o vacilo do presidente, que decidiu não resistir, não
foram capazes de parar os passos daqueles que iriam enterrar a
democracia no Brasil.
Na madrugada do dia 1o de abril, começava
uma nova era. Não era mentira. O Congresso existia, mas
não era mais um poder. Não decidia nada. O chamado
poder revolucionário substituía o poder das instituições.
Mandavam os chefes (militares), e não os cidadãos,
as instituições. A Constituição passava
a ser escrita por decreto de quem detinha o controle das armas
e da riqueza. Acabava a Constituição, ficava a sua
caricatura. O voto sumiu do mapa.
Os grupos dominantes aproveitaram a liberdade que
existia só para eles e fizeram todas as suas reformas.
O Brasil foi pioneiro em neoliberalismo. Todo poder aos interesses
privados e do mercado, mas pela mão do Estado! Pinochet
nasceu no Brasil.
Foi longa essa história. Em trinta anos, a
renda concentrou-se como nunca, o Estado foi privatizado e realizou
grandes projetos que beneficiaram os grandes interesses. A pobreza
cresceu e a indigência foi gerada, mostrando agora toda
a sua cara. O império da economia, o reino da injustiça,
a negação da cidadania. A tudo isso se chamou "milagre".
E milagre não havia, nem houve, já que pelo poder
do Estado e da repressão se produziu a mais espetacular
concentração de riqueza e de renda de toda a nossa
história e o corpo e a cara de um país de indigentes.
Sem democracia, o que havia era a vontade de uns
poucos montada na força das armas, da coerção,
da tortura e do medo. Os partidos castrados pelas cassações,
os sindicatos pela polícia, a imprensa pela censura, o
cidadão pelo medo de ser preso e virar um desaparecido.
A polícia corrompida brutalizada. Me admira que alguém
possa hoje se dizer democrata e ter ainda saudades desse tempo
de arbítrio e violência.
Mas logo que o golpe foi dado, a luta pela democracia
começou. Foram trinta anos de opressão e luta. No
início, mais lento; depois, mais rápido. No início,
poucos; depois, multidões. Sem liberdade não se
vive, não se respira. O golpe nasceu em 1964 para morrer
depois. É o destino dos golpes.
Foi uma história bonita a da resistência.
Lutas nas ruas contra a ditadura, a UNE, os estudantes. Lutas
na cultura, na música, no teatro, Geraldo Vandré,
Chico Buarque, Teatro Opinião e tantos outros e outras.
Lutas na clandestinidade com tortura, desespero, mortes, heroísmo
e loucura. Lutas na imprensa contra a censura, os cartunistas,
Pasquim, Opinião, Movimento e o Estadão com as receitas
e Camões. Lutas pelas anistia contra o exílio, pela
volta dos que saíram num rabo de foguete. Lutas pelas diretas
que afinal chegaram. A ditadura foi acabando e exalou seu último
suspiro nas mãos daquele que ameaçava prender e
arrebentar quem estivesse contra a democracia.
Mas a ditadura nunca acaba de uma vez, ela resiste
por caminhos transversos. Mas a luta pela democracia continuou
pela nova Constituição, o Movimento pela Ética
na Política, o impeachment, a CPI da corrupção,
a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria
e pela Vida. O fundamental é que tudo isso aconteceu por
pressão da sociedade, da cidadania, da planície.
No poder ainda mora o perigo. Na planície cresce e se consolida
a democracia, essa que muda o rumo das coisas, que tenta enterrar
a senzala e libertar definitivamente os escravos de nossa cultura,
de nossa economia e política.
1964 nunca mais! Liberdade e democracia, como
se disse uma vez em Minas, ainda que tardia.
Quem se insurgiu contra essa situação,
virou inimigo público da política brasileira, do
governo, dos ditos ideais nacionalistas. Nesse negro universo
viveu o idealista Stuart Edgard Angel Jones, que ainda adolescente
já sonhava buscar uma solução política
para o país que tanto amava. Em 1964, ano da chamada "revolução",
Stuart tinha apenas 17 anos e já se rebelava com o que
veríamos ser um período triste na história
do país.
Assim, começa a via crucis da heroína
Zuzu Angel - Mater Dolorosa - que lutava com obsessão pelo
direito de embalar seu anjo.
|
"Eu não tinha coragem.
Coragem teve meu filho
Eu tenho legitimidade."
(Zuzu Angel)
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Embalar o filho, obsessão de mãe
ferida pela dor
A morte do filho Stuart Edgard Angel Jones, mudou
a vida da estilista Zuzu Angel. Transformada numa "Mater
dolorosa" (poema do português Gonçalves Crespo)
dedicou os cinco últimos anos de vida à luta para
recuperar o corpo do filho, morto em 15 de maio de 1971, após
ser submetido a torturas.
Desde que Stuart foi preso, em 14 de maio de 1971,
Zuzu peregrinou por quartéis e procurou ministros, políticos
e militares. Uma carta eliminou sua esperança de rever
o filho vivo, nela, outro militante de esquerda, Alex Polari de
Alverga, contava ter testemunhado a morte de Stuart.
Começou então a sua luta para rever
o corpo do filho. No fim de 1971, Zuzu lançou em Nova York,
a primeira coleção de moda de protesto político
da História da Moda. Os bordados exibiam tanques de guerra,
quepes, canhões atirando em anjos e crianças desfiguradas.
Um mês antes de morrer a estilista driblou o esquema de
segurança da visita ao Brasil do Secretário de Estado
americano, Henry Kissinger para entregar-lhe um dossiê sobre
Stuart.
As ameaças se tornaram constantes e freqüentemente
os telefones emitiam ruídos esquisitos e Zuzu chegava a
reconhecer pessoas que a seguiam nas ruas.
Temendo ter destino semelhante ao de Stuart, Zuzu
entregou a amigos uma carta, datada de 25 de abril de 1975, na
qual dizia que caso algo lhe acontecesse, seria culpa dos mesmos
assassinos do filho. Por isso quando souberam do acidente de carro
que a matou, os parentes e amigos não acreditaram que fosse
uma fatalidade.
Em 14 de abril de 1976, Zuzu voltava para casa na
Barra da Tijuca, quando por volta de 3:30, ao sair do túnel
Dois Irmãos, o carro bateu na mureta de proteção
e caiu de uma altura de cinco metros indo parar na Rua Projetada.
Zuzu, de 54 anos, teve morte instantânea.
Uma das cópias da carta foi entregue a Chico
Buarque de Holanda. Cinco anos após a morte da amiga, no
disco "Almanaque", Chico gravou uma parceria com Miltinho
do MPB4, intitulada "Angélica".
Quem é essa mulher
Que canta esse estribilho
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento
Só queria lembrar o tormento
Que fez meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar.
Em 1986, Virgínia Vall, irmã mais velha
de Zuzu, lançou o livro: "Eu, Zuzu Angel, procuro
meu filho". Como diz o nome, o livro havia sido iniciado
por Zuzu, mas a morte o interrompeu. Virgínia reuniu os
documentos da irmã e terminou a redação.
O livro trazia mais revelações. Em
1983, com a morte da mãe de Zuzu, D. Francisca, o corpo
da estilista foi exumado. Só aí os parentes notaram
que estava sem a arcada dentária. Alguns amigos, segundo
Virgínia, acharam que Zuzu fora vítima de uma cilada
e morta por um tiro na nuca com a bala saindo na altura da boca,
o que explicaria a retirada da arcada dentária para não
deixar vestígios.
O sonho de embalar Stuart - uma obsessão
Zuzu só queria embalar em seus braços
o filho querido, que lhe dava tantas alegrias, e que em arroubos
próprios da juventude pensava que sozinho iria dar soluções
para um país tomado pela insensatez e pela prepotência,
numa inexplicável ditadura que durou 25 longos anos.
Stuart Edgard Angel Jones, filho de Zuzu, tinha 25
anos quando foi morto, entre os dias 14 e 15 de maio de 1971,
na Base Aérea do Galeão. Havia deixado a Faculdade
de Economia da UFRJ e era integrante do Movimento Revolucionário
8 de Outubro (MR-8).
O porquê de tanta violência
Dias antes o ex-capitão Carlos Lamarca - o
guerrilheiro mais procurado do Brasil de então - tinha
saído da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)
e ingressado no MR-8. Stuart havia sido o militante do MR-8, a
receber Lamarca entregue por um militante da VPR. Pouco depois,
Stuart foi preso num encontro com o mesmo integrante do VPR. Ele
fora preso e sob tortura tinha dito o local em que encontraria
Stuart e também que este poderia saber onde estava Lamarca.
Eis aí o motivo para a sanha dos militares contra Stuart.
Carta de preso conta calvário de Stuart
Alex Polari, na época militante da VPR e hoje
um líder da seita Santo Daime, testemunhou as torturas
e a morte de Stuart. Ele contou a Zuzu, através de carta
escrita em maio de 1972, e transcrita no livro "História
da República Brasileira", de Hélio Silva.
E assim contava
"No dia 14 de maio fui torturado ao lado de
Stuart. Num dado momento retiravam o capuz que usava e pude vê-lo
sendo espancado, depois de sair do pau-de-arara. À tarde,
tinha ouvido um alvoroço no pátio. Havia barulho
de carros, acelerações, gritos e uma tosse constante
de engasgo, que sucedia às acelerações. Consegui
olhar pela janela da cela, que ficava a uns dois metros do chão,
e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a torturadores,
oficiais e soldados, Stuart já com a pele semi-esfolada,
era arrastado amarrado a uma viatura e obrigado com a boca quase
colada ao cano de descarga, a aspirar gases tóxicos. Essa
era a causa da tosse."
Alex contou que poucas horas depois, Stuart morreu.
Zuzu não teria parado sua luta nunca, pois
lutava contra aquela situação política da
época, contra a ditadura, contra a proibição,
contra o medo. Ela queria o corpo do filho, mesmo sabendo que
ele tinha sido jogado no mar. Zuzu queria que o governo reconhecesse
a morte dele e que não matasse mais.
Sua luta tinha um objetivo maior, evitar que no futuro
outras mães viessem a sentir a dor que a levou a enfrentar
tantos perigos.
Sua luta não foi em vão, se lhe valeu
a vida, hoje ela é uma estrela no infinito, que tem certamente
nos braços o anjo que Deus lhe fez criar.
Recentemente foi criado o Instituto Zuzu Angel, com
o fim de preservar as criações da estilista e no
Museu de Arte Moderna, ocupando as três cúpulas,
funcionará o Museu Zuzu Angel de Modas com peças
que retratam a história desta notável estilista,
uma heroína dos nossos tempos.
Em 25 de junho de 1997, o Instituto Zuzu Angel através
da jornalista Hildegard Angel, sua presidente, arrematou um dos
79 vestidos da coleção da princesa Diana, leiloados
na Christie's, casa especializada em leilões de obras de
arte e objetos de pessoas famosas em Nova York, realizado com
o fim de arrecadar fundos para o tratamento de doentes de Aids
e câncer. O vestido é confeccionado em chiffon, de
seda na cor creme, é bordado com desenhos de vernicelli,
de pérolas e tem decote inspirado na linha Tudor, estilo
do guarda roupa da família real da Grã-Bretanha.
Com ética e sabedoria o G.R.E.S. Em Cima da
Hora fará ressoar forte e uníssono o coração
de todos aqueles que a prestigiam e buscará na emoção
de todos a alegria de sua pleiade de astros e estrelas e no compasso
firme de sua bateria a união de que precisa para realizar
seu desfile consagrador e soberano.
Os carnavalescos
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Página atualizada em 08/09/1997
Criada por Bruno Viana
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