G.R.E.S. Em Cima da Hora

Apresenta

Carnaval 1998

Autores: Ernesto Nascimento e

Actir Gonçalves

Corajosamente, e com sabedoria, o G.R.E.S. Em Cima da Hora apresenta o seu enredo para o Carnaval de 1998.

G.R.E.S. Em Cima da Hora

Enredo:

Quem é você,

Zuzu Angel ?…

Um anjo feito mulher?

Prefácio

Zuleika de Souza Netto, Angel Jones, pelo casamento com o americano Norman, em 1943, nasceu em Curvelo (MG) em 1921.

Tinha o seu ateliê de criação em Ipanema em 1960. Além de clientes famosos no Brasil, como a primeira-dama Yolanda Costa e Silva, vestia personalidades internacionais.

Essa moderna heroína do nosso século costumava dizer:

"Como não viver o drama de outras mães que não têm coragem ou às vezes não têm dinheiro para correr o mundo gritando como eu fazia para procurar o filho desaparecido."

Dedicatória

À Glória Peres, pela Dani

Às mães de Acari

Às mães da Cinelândia

Às mães da Candelária

Às mães da Praça de Maio

Às mães cubanas, que perderam seus filhos na ditadura de Fulgêncio Baptista

À todas aquelas que perderam seus filhos, de algum modo, abruptamente

Ao dedicar o seu enredo do carnaval de 1998, à Glória Peres - por Dani - às mães de Acari, às mães da Cinelândia, às mães da Candelária, às mães da Praça de Maio, às mães cubanas que perderam seus filhos decapitados na ditadura de Fulgêncio Baptista e a todas que perderam seus filhos
abruptamente, o G.R.E.S. Em Cima da Hora o faz consciente de sua finalidade social e desejando poder contribuir para a diminuição de tanta violência, de ontem e de hoje, buscando amenizar a dor daquelas mulheres abnegadas que perderam seus entes mais queridos.

Introdução

A originalidade das roupas elaboradas por Zuzu Angel nos leva ao Rio do tempo das costureiras, pouco antes da explosão do prêt-à-porter carioca, na década de 70. Mulheres sofisticadas e especialistas em criar o estilo sob medida em ateliês personalizados quase familiares. Zuzu definia-se como costureira e de todas foi a que melhor teceu com renda e temas nordestinos, estampas de anjos coloridos ou de tanques de guerra, um dos capítulos mais internacionais da moda brasileira.

Mineira de Curvelo, Zuzu foi uma das primeiras a apostar em roupas em série e a exportar o estilo nacional.

Para isso, usou em seus 75 modelos expostos em 1970 na Bergdorf Goodman em Nova York, as imagens de Lampião e Maria Bonita, comparadas pela jornalista Bernardine Morris, em reportagem do "New York Times" a Bonnie e Clyde. Antes disso, entretanto, o look Zuzu já tinha conquistado Joan Crawford, quando esta visitou o Rio em 1969, Kim Novak e Jean Schrimpton.

A alegria das estampas de Zuzu se transformou em 1971. Os anjos viraram soldados que, acompanhados por tanques, desfilaram no que a estilista chamou de "a primeira coleção de moda política da história".

A apresentação realizada em setembro de 1971, na residência do Cônsul do Brasil em Nova York, tornou público o assassinato do seu filho durante o regime militar. Passou a definir-se como "costureira intelectual" especialista em contar em tecidos e cores, um triste período de nossa história.

O Enredo

Quem é você, Zuzu Angel? …

Um anjo feito mulher ?

Carnaval 1998

Cada sociedade deve ser livre para resolver seus problemas, mas nenhuma delas tem o direito de matar parte de seu próprio povo. O genocídio não pode ser tolerado. A humanidade deve intervir para salvar o humano que exista em qualquer parte. O humano é soberano sobre o Estado. É imperativo que a ética predomine sobre a política e a política predomine sobre a economia.

O Brasil apesar de suas dimensões e muitas riquezas possui 32 milhões de miseráveis, esta sem dúvida é a ponta do iceberg que gera a miséria e consequentemente a violência que tanto nos assusta.

A maior violência é a fome. A fome é uma exclusão. Da terra, da renda, do emprego, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando uma pessoa chega a não ter o que comer, é porque tudo o mais já lhe foi negado. É uma espécie de cerceamento moderno ou de exílio. A morte em vida. É exílio da terra. A alma da fome é política.

A história do Brasil pode ser contada de vários modos e sob vários ângulos, mas para a maioria ela é a história da indústria da fome e da miséria. Um modo perverso de dividir o mundo em dois produzindo um gigantesco apartheid. Nesse campo, fizemos verdadeiros milagres de desenvolvimento. Um dos maiores PIB's do mundo abraçado com a pobreza e a miséria mais espantosa. Aqui não houve lugar para o acaso. Tudo foi produzido como obra acabada. Fria.

O resultado está aí diante dos olhos de todos. Uma parte ostensiva, rica, branca, motorizada, dolarizada. Outra parte imersa na sombra negra, analfabeta, dando duro todos os dias, comendo o pão que o diabo amassou em cruzeiros / reais. Dois mundos no mesmo país, na mesma cidade, muito próximos pela geografia e infinitamente distantes como experiência de humanidade.

A fome é a realidade, o efeito e o sintoma. O ponto de partida e de chegada. A síntese, a ponta do novelo a partir da qual tudo se explica e se resolve. Porque a fome não é episódica nem superficial. Revela fundo o quanto uma pessoa está sendo excluída de tudo e com que frieza é ignorado pelos outros.

A realidade cotidiana de 32 milhões de pessoas vivendo na indigência, a população de uma Argentina. Os sem-nada, os sem-comida, habitantes do mundo da fartura, do terceiro exportador mundial de alimentos.

É gente que começa o dia buscando o que comer e que chega à noite sem nada. Pode-se imaginar o quadro porque é o de todo dia para milhões de seres humanos: a fome de comida e de tudo. A essa altura da vida da humanidade é incrível que isso aconteça. Como morrer de fome ao lado de 70 milhões de toneladas de grãos, de 8,5 milhões de hectares de terra, se todos esses brasileiros miseráveis ficariam saciados só com os 20% do desperdício?

Pela fome de 32 milhões se revela a essência humana do próprio país, aquele que é capaz de negar a condição humana para 20% de sua população. A fome é o atestado de miséria absoluta e o grito de alarme que sinaliza o desastre social de um país, que mostra a cara do Brasil.

Como a miséria é a síntese e o nó de um processo, desvendar e atacar a miséria é também um modo de refazer radicalmente o Brasil. É pegar o Brasil pelo umbigo. A negação radical da miséria é um postulado de mudança radical de todas as relações e processos que geram a miséria. É uma interpretação a tudo e a todos, é um passar a limpo da história, a sociedade, o Estado e a economia. É virar o Brasil pelo avesso. No concreto. É assustador perceber com que naturalidade fomos virando um país de miseráveis, com que tranquilidade fomos produzindo milhões de indigentes. Acabar com essa naturalidade, recuperar o sentido da dignidade humana, reabsolutizar a pessoa como centro e eixo da vida e da ação política é essencial para transformar a luta contra a fome e a miséria num imenso processo de reconstrução do Brasil e de nossa própria dignidade. Por isso acabar com a fome não é só gerar emprego; é reconstruir radicalmente toda a sociedade, começando por incorporar agora 32 milhões de seres humanos ao mapa da cidadania.

Assim como a miséria foi sendo construída com a indiferença frente à exclusão e à destruição das pessoas, a negação da miséria começa a se realizar com a prática cotidiana, ampla e generosa da solidariedade.

A frieza construiu a miséria. Construiu as cidades cheias de gente e de muros que as separam como estranhos que se ignoram e se temem. A solidariedade vai destruir as bases de existência da miséria. É uma ponte entre pessoas.

Por isso o gesto de solidariedade, por menor que seja, é tão importante. É um primeiro movimento no sentido oposto a tudo que se produziu até agora. Uma mudança de paradigma, de norte, de eixo, o começo de algo totalmente diferente. Como um olhar novo que questiona todas as relações, teorias, propostas, valores e práticas, restabelecendo as bases de uma reconstrução radical de toda a sociedade. Se a exclusão produziu a miséria, produzirá a cidadnia plena, geral e irrestrita. Democrática.

A luta contra a miséria nos obriga a um confronto com a realidade naquilo que nos parece mais brutal: a pessoa desfigurada pela fome, desesperada pela comida ou por qualquer gesto de reconhecimento da existência humana. Se a distância perpetua a miséria, a solidariedade interrompe o ciclo que a produz e abre possibilidades imensas para se reconstruir a humanidade destruída em 32 milhões de pessoas e negada a outros milhões de pessoas que vivem na pobreza.

Se a indiferença construiu esse apartheid monstruoso, a solidariedade vai destruir suas bases. E essa energia existe com uma força surpreendente entre nós, uma força capaz de contagiar quem menos espera e de produzir uma nova cultura, a do reencontro.

Há uma tremenda força de mudança no ar, na terra. Há um movimento poderoso, tecendo a novidade através de milhares de gestos de encontro. Há fome de humanidade entre nós, por sorte ou por virtude de um povo que ainda é capaz de sentir, de mudar e de impedir que se consume o desastre, o suicídio social de um país chamado Brasil.

Ao longo dos anos, as razões para lutar contra o capitalismo foram aumentando, a ética foi cedendo espaço para a ideologia. Lutar contra a miséria passou a ser um subproduto da luta pelo socialismo. No futuro o socialismo acabaria com a miséria, ao fim de um período de convivência inevitável. Restava, como forma de ação, denunciar a responsabilidade do capitalismo na produção da miséria. Mas a convivência acabou por gerar um inconformismo verbal e um conformismo prático.

O mundo deu muitas voltas. Caíram barreiras, referências, mitos e muros. A história não coube em teorias. As teorias negaram suas promessas. O capitalismo continuou produzindo miséria, mas o socialismo avançou sem conseguir eliminá-la. Os sistemas protegiam os seus sócios e eliminavam os demais. Depois de cem anos de socialismo e capitalismo, a miséria no mundo aumentou, a economia transformou-se num código de brancos e numa fábrica de exclusão racionalizada. A modernidade produziu um mundo menor do que a humanidade. Sobram bilhões de pessoas. Não se previu espaço para elas nos vários projetos internacionais e nacionais. No Brasil essa exclusão tem raízes seculares. De um lado, senhores, proprietários e doutores. Do outro índios, escravos, trabalhadores, pobres.

Isso significa produzir riqueza pela produção da pobreza. Sendo um modelo econômico sustentado em vícios sociais, o padrão rural da colônia transferiu-se praticamente intacto ao país urbano, com pretensões a ser moderno. O Brasil tem uma indústria com duas caras - e a mesma moeda. Moderna na tecnologia, atrasada nas relações de trabalho. Sua classe média espreme-se entre a ideologia do senhor e as agruras dos pobres. Teme o destino de um e os poderes do outro.

A industrialização brasileira não encurtou o abismo entre pobres e ricos. Os senhores viraram empresários, mas continuaram a viver em novas versões da casa-grande. Os escravos viraram trabalhadores, mas continuaram morando na senzala, em dormitórios feitos para isolar o pobre depois do serviço.

Nos anos 90, aprendemos que em sessenta anos de industrialização, o Brasil havia gerado três categorias sociais - ricos, pobres e indigentes. É como se elas habitassem países diferentes. Existe a minoria rica, branca sofisticada, formando uma sociedade mais ou menos comparável à do Canadá. Tem a maioria pobre, negra, silenciosa e resignada, do tamanho do México. E há 32 milhões de indigentes, uma Argentina dentro do Brasil. Esses 32 milhões são brasileiros que o Brasil trata como estrangeiros, uma população indesejada, descurada, quase inimiga.

O processo era liberal, democrático. Chegava-se ao poder pelo voto, ou pelo menos passava-se por ele. O Congresso tinha seu poder. E a Justiça, mais ou menos, sua vez. A imprensa, com todos os seus problemas, tinha sua liberdade. E as entidades da sociedade civil, seu espaço para lutar com todos os limites e possibilidades. Nada era perfeito, havia muito a ser feito, muitas reformas de base que clamavam por existir. Através da liberdade existente, as mudanças buscavam seu horizonte em meio a tantos limites. Antes do golpe, as reformas estavam na ordem do dia: agrária, bancária, urbana, da saúde, educacional. E várias outras necessárias para que o Brasil fosse efetivamente democrático, autônomo e independente.

Mas os setores dominantes da elite brasileira não estavam dispostos a abrir mão de seus fantásticos privilégios. Levantaram suas bandeiras: contra o comunismo, a inflação e a corrupção! Ganharam a classe média, sempre assustada com o povo, e deram o golpe militar. O resultado foi um desastre para a democracia, um sucesso para setores importantes dessa elite, daqui e de fora.

O governo João Goulart, que representava a reforma, deveria ser deposto por um ato de força, já que da democracia era filho. Nascera do voto, vice de Jânio. Jânio filho do voto e, depois, pai do golpe. O ato veio de Minas, na madrugada do dia 31 de março, pelas mãos de um militar que deu o golpe e passou o resto da vida disputando com outros a paternidade desse desatino autoritário. Um grupo de militares se pôs a caminho, em direção ao Rio. A cumplicidade de outras lideranças militares e o vacilo do presidente, que decidiu não resistir, não foram capazes de parar os passos daqueles que iriam enterrar a democracia no Brasil.

Na madrugada do dia 1o de abril, começava uma nova era. Não era mentira. O Congresso existia, mas não era mais um poder. Não decidia nada. O chamado poder revolucionário substituía o poder das instituições. Mandavam os chefes (militares), e não os cidadãos, as instituições. A Constituição passava a ser escrita por decreto de quem detinha o controle das armas e da riqueza. Acabava a Constituição, ficava a sua caricatura. O voto sumiu do mapa.

Os grupos dominantes aproveitaram a liberdade que existia só para eles e fizeram todas as suas reformas. O Brasil foi pioneiro em neoliberalismo. Todo poder aos interesses privados e do mercado, mas pela mão do Estado! Pinochet nasceu no Brasil.

Foi longa essa história. Em trinta anos, a renda concentrou-se como nunca, o Estado foi privatizado e realizou grandes projetos que beneficiaram os grandes interesses. A pobreza cresceu e a indigência foi gerada, mostrando agora toda a sua cara. O império da economia, o reino da injustiça, a negação da cidadania. A tudo isso se chamou "milagre". E milagre não havia, nem houve, já que pelo poder do Estado e da repressão se produziu a mais espetacular concentração de riqueza e de renda de toda a nossa história e o corpo e a cara de um país de indigentes.

Sem democracia, o que havia era a vontade de uns poucos montada na força das armas, da coerção, da tortura e do medo. Os partidos castrados pelas cassações, os sindicatos pela polícia, a imprensa pela censura, o cidadão pelo medo de ser preso e virar um desaparecido. A polícia corrompida brutalizada. Me admira que alguém possa hoje se dizer democrata e ter ainda saudades desse tempo de arbítrio e violência.

Mas logo que o golpe foi dado, a luta pela democracia começou. Foram trinta anos de opressão e luta. No início, mais lento; depois, mais rápido. No início, poucos; depois, multidões. Sem liberdade não se vive, não se respira. O golpe nasceu em 1964 para morrer depois. É o destino dos golpes.

Foi uma história bonita a da resistência. Lutas nas ruas contra a ditadura, a UNE, os estudantes. Lutas na cultura, na música, no teatro, Geraldo Vandré, Chico Buarque, Teatro Opinião e tantos outros e outras. Lutas na clandestinidade com tortura, desespero, mortes, heroísmo e loucura. Lutas na imprensa contra a censura, os cartunistas, Pasquim, Opinião, Movimento e o Estadão com as receitas e Camões. Lutas pelas anistia contra o exílio, pela volta dos que saíram num rabo de foguete. Lutas pelas diretas que afinal chegaram. A ditadura foi acabando e exalou seu último suspiro nas mãos daquele que ameaçava prender e arrebentar quem estivesse contra a democracia.

Mas a ditadura nunca acaba de uma vez, ela resiste por caminhos transversos. Mas a luta pela democracia continuou pela nova Constituição, o Movimento pela Ética na Política, o impeachment, a CPI da corrupção, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. O fundamental é que tudo isso aconteceu por pressão da sociedade, da cidadania, da planície. No poder ainda mora o perigo. Na planície cresce e se consolida a democracia, essa que muda o rumo das coisas, que tenta enterrar a senzala e libertar definitivamente os escravos de nossa cultura, de nossa economia e política.

1964 nunca mais! Liberdade e democracia, como se disse uma vez em Minas, ainda que tardia.

Quem se insurgiu contra essa situação, virou inimigo público da política brasileira, do governo, dos ditos ideais nacionalistas. Nesse negro universo viveu o idealista Stuart Edgard Angel Jones, que ainda adolescente já sonhava buscar uma solução política para o país que tanto amava. Em 1964, ano da chamada "revolução", Stuart tinha apenas 17 anos e já se rebelava com o que veríamos ser um período triste na história do país.

Assim, começa a via crucis da heroína Zuzu Angel - Mater Dolorosa - que lutava com obsessão pelo direito de embalar seu anjo.

"Eu não tinha coragem.
Coragem teve meu filho…
Eu tenho legitimidade."

(Zuzu Angel)





Embalar o filho, obsessão de mãe ferida pela dor

A morte do filho Stuart Edgard Angel Jones, mudou a vida da estilista Zuzu Angel. Transformada numa "Mater dolorosa" (poema do português Gonçalves Crespo) dedicou os cinco últimos anos de vida à luta para recuperar o corpo do filho, morto em 15 de maio de 1971, após ser submetido a torturas.

Desde que Stuart foi preso, em 14 de maio de 1971, Zuzu peregrinou por quartéis e procurou ministros, políticos e militares. Uma carta eliminou sua esperança de rever o filho vivo, nela, outro militante de esquerda, Alex Polari de Alverga, contava ter testemunhado a morte de Stuart.

Começou então a sua luta para rever o corpo do filho. No fim de 1971, Zuzu lançou em Nova York, a primeira coleção de moda de protesto político da História da Moda. Os bordados exibiam tanques de guerra, quepes, canhões atirando em anjos e crianças desfiguradas. Um mês antes de morrer a estilista driblou o esquema de segurança da visita ao Brasil do Secretário de Estado americano, Henry Kissinger para entregar-lhe um dossiê sobre Stuart.

As ameaças se tornaram constantes e freqüentemente os telefones emitiam ruídos esquisitos e Zuzu chegava a reconhecer pessoas que a seguiam nas ruas.

Temendo ter destino semelhante ao de Stuart, Zuzu entregou a amigos uma carta, datada de 25 de abril de 1975, na qual dizia que caso algo lhe acontecesse, seria culpa dos mesmos assassinos do filho. Por isso quando souberam do acidente de carro que a matou, os parentes e amigos não acreditaram que fosse uma fatalidade.

Em 14 de abril de 1976, Zuzu voltava para casa na Barra da Tijuca, quando por volta de 3:30, ao sair do túnel Dois Irmãos, o carro bateu na mureta de proteção e caiu de uma altura de cinco metros indo parar na Rua Projetada. Zuzu, de 54 anos, teve morte instantânea.

Uma das cópias da carta foi entregue a Chico Buarque de Holanda. Cinco anos após a morte da amiga, no disco "Almanaque", Chico gravou uma parceria com Miltinho do MPB4, intitulada "Angélica".

Quem é essa mulher
Que canta esse estribilho
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento
Só queria lembrar o tormento
Que fez meu filho suspirar

Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar

Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar.

Em 1986, Virgínia Vall, irmã mais velha de Zuzu, lançou o livro: "Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho". Como diz o nome, o livro havia sido iniciado por Zuzu, mas a morte o interrompeu. Virgínia reuniu os documentos da irmã e terminou a redação.

O livro trazia mais revelações. Em 1983, com a morte da mãe de Zuzu, D. Francisca, o corpo da estilista foi exumado. Só aí os parentes notaram que estava sem a arcada dentária. Alguns amigos, segundo Virgínia, acharam que Zuzu fora vítima de uma cilada e morta por um tiro na nuca com a bala saindo na altura da boca, o que explicaria a retirada da arcada dentária para não deixar vestígios.



O sonho de embalar Stuart - uma obsessão

Zuzu só queria embalar em seus braços o filho querido, que lhe dava tantas alegrias, e que em arroubos próprios da juventude pensava que sozinho iria dar soluções para um país tomado pela insensatez e pela prepotência, numa inexplicável ditadura que durou 25 longos anos.

Stuart Edgard Angel Jones, filho de Zuzu, tinha 25 anos quando foi morto, entre os dias 14 e 15 de maio de 1971, na Base Aérea do Galeão. Havia deixado a Faculdade de Economia da UFRJ e era integrante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

O porquê de tanta violência

Dias antes o ex-capitão Carlos Lamarca - o guerrilheiro mais procurado do Brasil de então - tinha saído da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e ingressado no MR-8. Stuart havia sido o militante do MR-8, a receber Lamarca entregue por um militante da VPR. Pouco depois, Stuart foi preso num encontro com o mesmo integrante do VPR. Ele fora preso e sob tortura tinha dito o local em que encontraria Stuart e também que este poderia saber onde estava Lamarca. Eis aí o motivo para a sanha dos militares contra Stuart.

Carta de preso conta calvário de Stuart

Alex Polari, na época militante da VPR e hoje um líder da seita Santo Daime, testemunhou as torturas e a morte de Stuart. Ele contou a Zuzu, através de carta escrita em maio de 1972, e transcrita no livro "História da República Brasileira", de Hélio Silva.

E assim contava…

"No dia 14 de maio fui torturado ao lado de Stuart. Num dado momento retiravam o capuz que usava e pude vê-lo sendo espancado, depois de sair do pau-de-arara. À tarde, tinha ouvido um alvoroço no pátio. Havia barulho de carros, acelerações, gritos e uma tosse constante de engasgo, que sucedia às acelerações. Consegui olhar pela janela da cela, que ficava a uns dois metros do chão, e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a torturadores, oficiais e soldados, Stuart já com a pele semi-esfolada, era arrastado amarrado a uma viatura e obrigado com a boca quase colada ao cano de descarga, a aspirar gases tóxicos. Essa era a causa da tosse."

Alex contou que poucas horas depois, Stuart morreu.

Zuzu não teria parado sua luta nunca, pois lutava contra aquela situação política da época, contra a ditadura, contra a proibição, contra o medo. Ela queria o corpo do filho, mesmo sabendo que ele tinha sido jogado no mar. Zuzu queria que o governo reconhecesse a morte dele e que não matasse mais.

Sua luta tinha um objetivo maior, evitar que no futuro outras mães viessem a sentir a dor que a levou a enfrentar tantos perigos.

Sua luta não foi em vão, se lhe valeu a vida, hoje ela é uma estrela no infinito, que tem certamente nos braços o anjo que Deus lhe fez criar.

Recentemente foi criado o Instituto Zuzu Angel, com o fim de preservar as criações da estilista e no Museu de Arte Moderna, ocupando as três cúpulas, funcionará o Museu Zuzu Angel de Modas com peças que retratam a história desta notável estilista, uma heroína dos nossos tempos.

Em 25 de junho de 1997, o Instituto Zuzu Angel através da jornalista Hildegard Angel, sua presidente, arrematou um dos 79 vestidos da coleção da princesa Diana, leiloados na Christie's, casa especializada em leilões de obras de arte e objetos de pessoas famosas em Nova York, realizado com o fim de arrecadar fundos para o tratamento de doentes de Aids e câncer. O vestido é confeccionado em chiffon, de seda na cor creme, é bordado com desenhos de vernicelli, de pérolas e tem decote inspirado na linha Tudor, estilo do guarda roupa da família real da Grã-Bretanha.

Com ética e sabedoria o G.R.E.S. Em Cima da Hora fará ressoar forte e uníssono o coração de todos aqueles que a prestigiam e buscará na emoção de todos a alegria de sua pleiade de astros e estrelas e no compasso firme de sua bateria a união de que precisa para realizar seu desfile consagrador e soberano.

Os carnavalescos


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Página atualizada em 08/09/1997
Criada por Bruno Viana
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